INTRODUÇÃO
A Geologia é uma ciência que procura dar resposta a dois tipos de
questões: por um lado, compreender a
origem da Terra e a sua evolução ao longo do tempo e, por outro, conhecer a natureza dos materiais terrestres bem como
os processos dinâmicos que ocorrem à superfície
e em profundidade.
Na
abordagem actual da história da terra, é difícil compreender o ponto de vista
de culturas de há muitos séculos atrás. Este aspecto é particularmente notável
quando estudamos os antigos conceitos sobre a idade da terra. Sabemos que nas
culturas não ocidentais como as da China e da India, acreditava-se que a Terra era
imutável e eterna, ou que as alterações eram cíclicas.
Na
Grécia clássica acreditava-se que a
Terra sofre alterações com o tempo, sendo as mesmas regidas pelas leis da
natureza. Este ponto de vista naturalista foi seguido pelos romanos e alguns
filósofos como Plínio o Velho, que dedicou parte da sua vida a investigações
científicas tendo falecido vítima (33AD-79AD), mas que faleceu sufocado pelas
cinzas do vulcão do Vesúvio. O seu sobrinho Plínio, o Moço, vinte e cinco anos
após a erupção, em duas cartas dirigidas ao historiador Tácito, narrou
detalhadamente os eventos, tornando-se assim o primeiro vulcanologista da
História. As erupções do tipo da ocorrida no Vesúvio, por essa razão são
chamadas Plinianas.
Depois
da queda do império Romano, a cultura ocidental foi dominada pela fé cristã e
pela ideia de que a idade da Terra não excede alguns milhares de anos. Segundo
o Primeiro Livro do Antigo Testamento – O Livro do Génesis – os homens foram
criados no início e é a sua existência que justifica a existência da Terra.
Antes do século XIX, as pessoas viam as alterações na superfície da Terra como
evidências de que o fim dos tempos estava próximo e não como mudanças normais.
A ideia generalizada de que as rochas foram formadas no início da “criação da Terra”
atrasou o desenvolvimento do conhecimento dos processos de formação das rochas.
A
ideia de uma Terra estática só começou a ser corrigida quando se deu relevo à
observação dos fósseis. Encontrar um fóssil marinho no topo de uma montanha,
longe do mar, colocava algumas questões. No início do século V AC, o filósofo Xenofanes
de Colofon encontrou algumas conchas nos picos de Malta e presumiu que essa
ilha estivera em tempos coberta pelo mar.
Na
Idade Média esta suposição foi negada e esses misteriosos vestígios eram
designados por fosseis, da palavra
latina fossilis, “tirado da terra”. Nessa categoria
incluíam-se não apenas os materiais de origem orgânica que hoje designamos
fósseis, mas também outros minerais e cristais. A existência destes vestígios
em rochas duras era difícil de explicar e por essa razão alguns diziam que eles
era consequência de “forças plásticas”, ou “brincadeiras” da natureza ou do demónio confundindo assim os
crentes. Outros acreditavam que os fósseis haviam sido trazidos pelo grande
dilúvio de Noé, mas a presença de fósseis constituía um mistério face à crença
de que rochas duras eram permanentes.
Na
Renascença alguns eruditos começaram
a duvidar das ideias anteriormente aceites. Depois das grandes descobertas e
feitos de Leonardo da Vinci, ele deu uma explicação mais moderna para a
presença de conchas no topo dos montes Apeninos. Ele acreditava ostras aí
descobertas eram vestígios de organismos vivos trazidos pelos rios dos Alpes e
enterrados na lama. A lama dos rios e as conchas nela contidas tinham ambas
petrificado sendo posteriormente elevadas para a sua posição nas montanhas. Apesar
de defender uma visão dinâmica da Terra, Da Vinci intrigava-se pela presença de
algumas conchas antigas próximas de outras mais modernas.
OS
FUNDADORES DA GEOLOGIA
Segundo
a abordagem de Juan Antonio Vera Torres
(in: Estratigrafia - principios y métodos, 1994) para conhecer os fundadores da
Geologia, e portanto da Estratigrafia,
deve-se estudar a obra de diferentes autores desde Steno (século XVII) a Lyell
(século XIX). Em muitos casos, as suas teses constituíram, no seu tempo, uma
rutura com as ideias preconcebidas que vinham desde a Idade Média.
Nicolaus Steno (1638-1686) foi o primeiro a
definir um estrato como unidade de tempo de depósito limitado por superfícies
horizontais com continuidade lateral. Instituiu o princípio da sobreposição, segundo o qual numa sucessão de estratos,
os inferiores são os mais antigos e os superiores os mais modernos, o que
permite ordenar os materiais cronologicamente. Também este autor considerou
que, quando um estrato se está a formar provoca a consolidação dos extractos inferiores.
Steno desenvolveu outras duas ideias fundamentais para o desenvolvimento da Estratigrafia:
os extractos originalmente depositaram-se de forma como horizontal e as superfícies
de estratificação são e foram lateralmente contínuas, o que constitui a base do
“princípio da horizontalidade original e continuidade lateral dos estratos”.
Figura
1 - Retrato de Nicolaus Steno, no final da vida converteu-se ao catolicismo e foi
ordenado padre.
António
Lazzaro Moro (1687-1764) estabeleceu
o que se pode considerar a primeira subdivisão estratigráfica dos materiais da
superfície terrestre diferenciando as montanhas de rochas maciças, não
estratificadas, de outras montanhas mais jovens formadas por rochas estratificadas,
que podem conter fósseis contemporâneos do depósito.
Giovanni Arduino (1713-1795) distinguiu quatro
tipos de materiais: primários (rochas
não estratificadas e sem fósseis), secundários
(rochas estratificadas, com fósseis), terciários
(formados com restos das anteriores e junto das mesmas) e vulcânicos. Todos os termos anteriores continuam em uso na
nomenclatura actual, apesar de corresponder a acepções diferentes.
Johann
Gottlob Lehman (1719-1767) ajustou a
classificação ao texto da Bíblia e chamou aos materiais primários “rochas da
Criação”. A maior contribuição deste autor para a estratigrafia foi o
levantamento das primeiras sucessões estratigráficas, aplicando o “princípio da
sobreposição” apresentado por Steno.
Georges-Louis
Leclerc, Conde de Buffon (1707-1788)
, considerado como um dos cientistas mais influentes do século XVIII, rompeu
com a tradição de considerar a Terra como muito jovem (poucos milhares de anos)
e sugeriu que como mínimo teria 75 000 anos. Foi o primeiro cientista que
admitiu que a Terra havia sofrido ao longo do tempo variações na distribuição
das terras e mares.
Abraham
Gottlob Werner (1749-1817),
professor de Mineralogia da Escola de Minas de Friburgo (Saxónia) é, numa
perspectiva histórica, outra das grandes personalidades da ciência do século
XVIII, embora alguns o considerem o responsável pelo atraso no progresso da
Geologia. Defendeu a teoria “neptunista”, que tentava explicar a génese de todas as rochas por precipitação química
nos mares primitivos. Esta teoria encontrou o seu contraponto na teoria “plutonista”
de Hutton e que deu lugar a grande controvérsia científica. Do ponto de vista
da Estratigrafia, as contribuições de Werner foram a aplicação de uma divisão
de materiais baseada na de Lehmann e a utilização pela primeira vez do conceito
de “formação” aplicado aos conjunto de rochas estratificadas caracterizadas
pela sua litologia e que corresponde a uma mesma idade. Sobrevalorizou a
utilidade da correlação litoestratigráfica a partir da ideia errónea de
considerar as formações de extensão mundial.
James
Hutton (1726-1797), médico de
formação, apesar de nunca exercer essa profissão, dedicou-se à agricultura e
indústria na sua Escócia natal e foi um apaixonado pela Geologia, sendo
considerado numa perspectiva histórica, o verdadeiro fundador da Geologia Moderna.
Apesar disso, durante a sua vida as suas ideias ou passaram despercebidas ou
foram objecto de duras críticas, entre elas as de Werner e seus discípulos, uma
vez que eram contraditórias com as das ideias dominantes da época e além disso,
eram produzidas por alguém que não pertencia a nenhuma Universidade de
prestígio ou organismo oficial. Depois da sua morte, as opiniões de Hutton
foram amplamente difundidas por diversos autores, em primeiro lugar pelo seu
amigo John Playfar (1748-1819) na
sua obra “Illustrations of the Huttonian
Theory of The Earth” (1802) em que se completam as ideias de Hutton com enfoque
histórico que as torna mais compreensíveis e atractivas. Hutton considerava a
Terra como um corpo em mudança em que as rochas e os solos antigos são
continuamente erosionados e os produtos dessa erosão são transportados pelas
linhas de água até aos oceanos onde se depositam formando novos sedimentos
estratificados que se consolidam e dão origem a rochas, as quais podem
elevar-se e assim iniciar dar lugar a um novo processo de erosão. A maior
contribuição de Hutton consistiu na sua teoria do “uniformismo”, segundo a qual
os processos que têm ocorrido na história da Terra têm sido uniformes e
semelhantes aos actuais. Mediante a aplicação do método “actualista” realizou
as primeiras estimativas da velocidade
dos processos que levaram a pensar que a idade da Terra era muito maior do
que se supunha anteriormente. Hutton afirmou, num texto de 1788 sobre a idade
da Terra, que, de acordo com investigações realizadas, não se encontram
vestígios de um princípio nem perspectivas de um fim.
Figura
3 – James Hutton
fonte:
http://www.physicalgeography.net/fundamentals/10c.html,
consultado em 6-01-2013
A
teoria do “uniformismo” e o método “actualista”, que actualmente constituem pilares
fundamentais da Estratigrafia não chegaram a ser aceites pela comunidade
científica senão 40 anos após a sua morte. Hallam (1985), citado por Torres
(1994), descreve como as ideias revolucionárias de Hutton se afastavam tão
radicalmente das vigentes na sua época, nomeadamente da doutrina do “catastrofismo”,
a qual pretendia explicar todos os fenómenos geológicos como quase
instantâneos, dos quais o dilúvio era
o melhor exemplo. Foi precisamente nos trinta anos após a morte de Hutton que a
teoria do “castratofismo” alcançou ao maior grau de aceitação. Só após 10 anos
de dura controvérsia (1830-1840) se abandonou de forma generalizada a teoria do
“catastrofismo” e se aceitou a do “uniformismo-actualismo”.
Figura - Hutton foi o primeiro autor que interpretou correctamente uma descontinuidade
angular - a famosa descontinuidade de Siccar
Point na costa escocesa, onde os arenitos devónicos sub-horizontais
repousam sobre xistos e grauvaques silúricos quase verticais.
Fonte: http://www.geos.ed.ac.uk/undergraduate/field/siccarpoint/,
consultado em 6-01-2013
O
inglês William Smith (1769-1839) é
possivelmente o primeiro que se dedica à geologia aplicada – a ele se deve o
levantamento dos primeiros mapas geológicos. Uma notável contribuição de Smith
foi demonstrar a constância das séries de formações geológicas em áreas
geográficas extensas. Para este autor, cada formação (extracto ou grupo de extractos)
tem uma continuidade lateral que permite diferenciá-la num mapa. Outra importante
contribuição foi demonstrar que grupo de extractos continha um tipo de fósseis
e que uma formação com litologias homogéneas se pode subdividir em função do
seu conteúdo em fósseis. Formula assim o “principio da correlação”.
Em
França, Georges Cuvier (1769-1832) e
Alexandre Brongniart (1770-1847)
estudaram os materiais terciários da bacia de Paris aplicando a metodologia de
Smith e reconheceram as diferentes associações de fósseis, a partir das quais
delimitaram episódios marinhos e lacustres. Estes autores estabeleceram as
bases para a actual Bioestratigrafia.
Charles
Lyell (1797-1875) é outra personagem
interessante, advogado de formação, ensinou Geologia no Kings College of London
durante 2 anos (1831-1832) e que dedicou a sua vida à geologia, tendo subsistido
em grande medida graças aos direitos de autor do seu livro “Principles of
Geology”, publicado em três volumes, atingindo 11 edições. Foi o principal
difusor das teorias huttonianas. Partindo da ideia cíclica de erosão-depósito,
Lyell precisou que a erosão se equilibrava com a sedimentação e a subsidência, num
sistema uniforme com flutuações em torno de um valor médio. Desenvolveu amplamente
a teoria huttoniana do “uniformismo” como sistema e ”actualismo” como método,
baseando-se em múltiplas observações em diversos territórios (Inglaterra, Escócia,
França e Itália). A publicação do famoso livro trás consigo a referida
controvérsia “catastrofistas-uniformistas que acabou em 1840, com o
reconhecimento geral desta nova teoria o que proporcionou um desenvolvimento
espectacular da Geologia nas décadas seguintes.
Figura ... - Extracto do tratado de Lyell “Principles of
Geology” (1838)
Fonte:http://en.wikipedia.org/wiki/Charles_Lyell consultado em 6-01-2013
O
DESENVOLVIMENTO DA GEOLOGIA NO SÉCULO XIX
O
início de uma fase de grande desenvolvimento da Geologia é marcado com a fundação
da Sociedade Geológica de Londes em 1807, a que se seguiram em datas próximas
as de outros países do centro da Europa, assim como a publicação das primeiras
revistas científicas dedicadas monograficamente à Geologia e das primeiras
cartas geológicas.
Ao
longo do século XIX publicam-se diferentes tratados de Geologia nos quais se
constatao contínuo crescimento do corpo de doutrina da mesma. Para este grande desenvolvimento
contribui o aumento considerável de investigações geológicas em regiões
geográficas cada vez mais diversas e os estudos sobre os processos actuais que
mediante a aplicação das teorias de Hutton e Lyell facilitaram o entendimento
dos processos antigos evidenciados nas rochas sedimentares.
Reserva-se
uma atenção especial à classificação e ordenação no tempo dos materiais estratificados,
em especial os fossilíferos. Ao longo deste século definiram-se as eras geológicas
que se mantêm até à actualidade, apesar de logicamente terem sofrido alguns
ajustamentos nos seus limites. Estabelece-se assim uma divisão do tempo
geológico a nível mundial baseada nos fósseis.
Do
ponto de vista doutrinal, por um lado estabelece-se a discussão sobre as causas
da alteração dos organismos (fósseis) ao longo do tempo, que encontra
explicação nas teorias de Darwin (1859) e por outro alimenta-se a controvérsia
acerca da idade da absoluta da Terra. Estas controvérsias com os quais os
vários grupos de investigadores tentavam comprovar as suas teorias distintas, vieram
contribuir de forma significativa para o avanço da ciência e em particular da
Geologia.
No
último terço do século teve lugar a primeira campanha oceanográfica, que sulca
os oceanos entre 1872 e 1876 …
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